Do que os homens falam?

“Respondo os comentários ou escrevo o próximo post?”, perguntei pros meus botões.

Embalada pelas ondas batendo na quilha d’A Encalhada, logo estava navegando na praia dos comentários, que são tão interessantes que é melhor ir conversando com eles do que confiná-los às margens do texto. Estou falando dos comentários ao final dos dois posts – que são como a biruta no aeroporto, indicando a direção do vento e orientando a rota dos aviões.

“Navegar é preciso, viver não é preciso” né? Seria óbvio embarcar com Fernando Pessoa. Ok, o poeta português pode vir junto, assim como a minha (a nossa) infância: “A canoa virou/ lá no fundo do mar/ Foi por causa de Maria/ Que não soube remar”. Eita Maria que não tem jeito. Expulsa todo mundo do paraíso, vira a canoa e por querer casar fica lá encalhada esperando alguém tirá-la do fundo do mar.

   A Maria aqui tava encalhada na questão com a qual terminou o post anterior, encafifada com a história do tal ser condenado à solidão e que por medo inventou o amor. Nessa versão, que funde o dois em um como as duas metades de uma laranja, ninguém nunca está só. E mais uma vez lembrou da frase repetida sempre que a ocasião o exige:

– “Conhece aquela frase do Woody Allen citando o Groucho Marx?”, pergunto prá meu interlocutor quando converso sobre o amor.

– “Não, e qual é?”

– “Querida, de hoje em diante nós dois vamos ser um só…E esse um só sou eu”.

Eu disse “condenado à solidão” né? Pois é, nascemos e morremos sozinhos e não há cristo que mude isso.

E você sabia que há quem ache um grande barato a solidão e dela não abra mão em hipótese alguma? Como aquele aristocrata poderoso que gostava tanto de ficar sozinho que não deixava nem o médico dele chegar perto. O pobre do doutor tinha que fazer o diagnóstico do lado de fora do quarto. Pois bem, esse maníaco pela solidão construiu na casa dele um salão de baile prá dois mil convidados e, claro, nunca usou o salão.

Essa história de amor – e solidão – vai longe. Bem mais longe do que pode um único post. Como escrevi ao apresentar o blog aqui ao lado (“Sobre o blog”), esse é um dos temas que quero ir desenrolando. Passo a passo, post a post.

Intrigada – mas não surpresa – com a constatação de que a maioria dos comentários aqui tenha vindo das mulheres, fiquei pensando se eu não havia tocado os homens com meus posts. Nada disso, pensei, pois há comentários de homens sim, e muito bons.

marcia adri glauAinda assim queria entender melhor isso e resolvi conversar com meu filho, o Adriano. Contei que na véspera havia perguntado para um amigo qual o assunto que os homens gostavam de conversar quando o tema era o relacionamento amoroso e ele me respondeu: “nenhum. Homem não gosta de conversar”. Pensei que poderia ser uma questão de geração: entre a nossa geração e a dos meus filhos muita água já rolou. Estávamos os três – Adriano, a Glaucya, namorada dele e eu, tomando um café – e perguntei:

– “Adriano, o que o homem, hoje, quer falar sobre relacionamento?”

– “Não discutir”, ele respondeu na mosca, direto como sempre.

– “Ah, não vale! Eu quero escrever prá homem também!”, respondi dando risada.

– “Sobre o que eu preciso falar prá não discutir”, ele reiterou, sério. “Homem não gosta de discutir relacionamento”.

– “É isso mesmo”, disse a Glaucya. “Ele faz de tudo prá não discutir a relação”.

– “Você tá falando que isso é específico do Adriano?”, perguntei.

– “Não”, disse a Glaucya, “o homem concorda com ela, com o que a mulher diz, prá não discutir”.

– “Tá bem”, eu disse, me divertindo muito. “Então o que você achou do comentário do Dener, Adriano?”

– “Que comentário? Do que você tá falando?”

– “Disso” – e li o comentário que o amigo dele e nosso afilhado de casamento escreveu depois do meu primeiro post:

– “Sou recém casado. Amo minha esposa. Temos ótimos momentos e outros também terríveis (como todo casal). Mas venho me perguntando e conversando com amigos: ‘Será que nossos casamentos vão durar como os dos nossos pais? Já que nossa bendita ‘Geração Y’ não preserva mais coisas duradouras como, por exemplo, emprego. Não me vejo trabalhando mais de 2, 3 ou 4 anos no mesmo lugar pois qualquer lugar que eu não concorde eu parto prá outro. Será que essa geração vai tratar o casamento do mesmo modo, será que o casamento vai virar isso também?”.

O Adriano me ouvia pensativo e interessado. Terminei de ler e perguntei:

– “E aí?”

– “E aí o que? Escreve sobre isso”.

Não me alistei no exército dos nostálgicos que lamentam os novos tempos saudosos de uma época sem internet, sem celular, sem redes sociais – aliás, tanto o Adriano, quanto o Dener e também a Glaucya trabalham na área da computação (os dois) e da tecnologia das comunicações (ela). Também não faço parte do bloco dos que se deleitam com a crítica dos novos valores dessa “geração Y” (que ainda tô tentando entender), simplesmente porque gerações anteriores – a minha inclusive – lutaram por eles.

O divórcio não foi uma invenção da “Geração Y”. No Brasil foi legalizado em 1977 e para isso foi preciso superar uma opinião contrária raivosa, expressiva e determinante. Aliás, quem assistiu aquela interessantíssima série americana Mad Men teve a oportunidade de ver a mulher divorciada segregada e desvalorizada pelo preconceito de uma Nova York em plenos anos 1960. Não só a mulher, como a frase dita por um personagem o resume bem: “O divórcio é o haraquiri da política”.

A idealização do amor eterno – ingrediente essencial do nosso cardápio e da questão levantada pelo Dener – infernizou (e continua a infernizar) a vida de muita gente. Mundanizar o amor, tirar das relações amorosas esse aspecto religioso de uma eternidade sagrada nos torna mais leves e sujeitos da nossa história, já que se ficamos juntos ou não é porque fazemos essa opção. Nessa arte o nosso poetinha é mestre recitando seu Soneto de Fidelidade (vale a pena escutá-lo aqui):

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure

                                          Soneto de Fidelidade – Vinícius de Moraes

O que cada um vai fazer com as liberdades dos costumes que conquistamos é hoje uma escolha pessoal. Não foi a “geração Y” que criou os vínculos dissolúveis e o tal “amor líquido”. O casamento só se tornou uma instituição sagrada, e, portanto, eterna, no século XII, quando a Igreja o instituiu como um sacramento. E, se a “geração Y” tem facilidade para entrar e sair das relações amorosas, eu não sei. As generalizações – sempre corro delas.

Publicado por

Marcia Neder

Marcia Neder é psicanalista com Pós-doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP, pesquisadora e autora de vários artigos e livros. Seus últimos livros publicados são: "Os filhos da Mãe" lançado em maio pela Editora Leya/Casa da Palavra e "Déspotas mirins: o poder nas novas famílias" (Editora Zagodoni).

10 comentários em “Do que os homens falam?”

  1. Me deliciei lendo esse post e acho que minha dúvida foi respondida. No penúltimo parágrafo vi a luz. Sermos senhores dos nossos destinos, ter felicidade ou não no amor por nossas decisões. Vinícius mesmo, teve infinitos amores enquanto duraram seus infinitos casamentos. E olha que ele não era nem de perto da geração y, nasceu até antes dos baby boomers.

    1. É isso mesmo Dener. Gostei dessa sua frase do Vinicius. E da ótima provocação para esse post – que bom que se deliciou. Continua me dando essas boas ideias. Um beijo.

  2. Impressionante que agora pintou uma moda quem os homens amar comentar: são as tais caixinhas do ” nada”. Diz mais ou menos assim: quando a mulher insiste em DR, eles se enfiam na caixinha do nada. Onde nada pensam, nada concluem, nada opinam e nada concordam ou descordam. Muito engraçada essa atitude, assim como muito cômoda. Porém são uns desavisados e desatinados, pois quanto mais entram na tal caixinha do nada, mais perdem a nossa brilhante parceria é nosso ALGO MAIS que poderia ajudá-los no crescimento intelectual e espiritual….. Peninha!

    1. Gisele, não conhecia essa caixinha. Mas aqui pensando sobre o que você falou sobre a caixinha e a DR fiquei pensando se não tá difícil o homem se dirigir a uma mulher hoje. Postei no meu facebook a crônica do Ruy Castro outro dia e ele diz claramente isso: que hoje em dia tá muito difícil um homem se dirigir a uma mulher – até prá elogiar ele tem que pensar muito… Você não acha que isso tem muito a ver? Adorei você por aqui. Um beijo.

  3. Márcia, parabéns pelo belo texto… adorei!
    Em 3 anos de namoro e 25 de casamento, nunca consegui iniciar discutir relação. Meu esposo sempre deu um jeitinho de sair pela tangente. A dita cuja “caixinha do nada” entra em ação. Os únicos que saem
    perdendo, são eles por deixarem de nos conhecer melhor.
    Bjs.

    1. Oi Erica, obrigada! Como eu disse quando respondi o comentário da Gisele, eu não conhecia essa caixinha do nada e vocês que estão me fazendo pensar nela. E a primeira coisa que me vem à cabeça é, como eu disse, que vocês estão me fazendo pensar. E aí tenho uma suspeita – talvez nesses tempos de uma patrulha tão acirrada nos relacionamentos homem – mulheres (pensa no caso da Fernanda Torres e na polêmica da semana com a recatada, bela e do lar, por exemplo). Será que tá dando mesmo pro homem se expressar com liberdade num contexto como esse? Tenho a impressão – vendo isso tudo, observando os comportamentos no facebook – que, ou eles partem em defesa das mulheres “feministas” ou ficam quietos. Vai entre aspas aí talvez prá chamar a atencão prá diferença entre várias atitudes feministas possíveis – e não sei até que ponto as próprias mulheres estão permitindo isso acontecer. Fiquei muito contente com você aqui na sala conversando! Um beijo.
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  4. Acho estranho os comentários. Devo viver em Urano. Amigas e amigos de todas as gerações variam mais comportamentos e modos de expressão em função de estarem com alguém ou não.

    O que não vejo é homem falar de desempenho sexual de mulheres específicas, que conheçam (elogios ou comentários desairosos voltam-se mais a predicados físicos), enquanto mulheres, tentando evitar serem escutadas por homens, comentam, não raramente, detalhes do desempenho de parceiros.

    Caixinhas vazias, do nada ou cheias parecem mais ordenações modernosas a que deve crer. Ao menos não se diz de tentar sair da caixa. Temo que fora da caixa haja um grande nada e não vaga estupenda de inventividade.

  5. William adorei. Acho muito gostoso que os homens se sintam à vontade prá conversar aqui. Como eu disse nas respostas anteriores, eu não conhecia “a caixinha” e lendo você fiquei pensando, primeiro, nessa sua sensação de estranheza com os comentários. Na verdade fiquei curiosa e querendo saber mais sobre como é aí em Urano. Muito interessante essa diferença aí que você tá apontando – as mulheres comentando desempenho sexual dos homens, coisa que eles não fazem. Boa coisa prá se pensar. Dá prá adivinhar um dos efeitos disso, que pode ser muito inibidor né? E olhaí uma ideia que você sugere – bom saber: melhor mesmo ficar dentro da caixinha do que sair prá não ter que ver um grande nada, como você falou e uma grande falta de inventividade. Vamos pensar mais sobre isso – vindo de um homem como você – é um ingrediente e tanto prá colocar no caldeirão. Adorei. Um beijo.
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  6. Marcia, as estatísticas dizem que as mulheres falam muito mais que os homens por que estes possuem uma prateleira de ” nada”. Fui pensar e verifiquei a veracidade.ex. Homem assistindo à televisão e você pergunta o que está vendo e ele responde, no automático , ” nada”, o mesmo vale para o que está pensando, o que está ouvindo….DR? Fogem léguas… Fui casada por 25 anos, muito bem casada e taí uma coisa que não consegui a ” tal DR”, e eu tentava, nem muito por necessidade real, mas no início, meio do casamento, por ser jovem, até mesmo para comentar com minhas amigas, que contavam as discussões homéricas. O Mozart, meu marido, inteligente e educadamente, me dizia para não entrar em terreno movediço, que nosso casamento era ótimo, respeitávamos nossa privacidade, nossos silêncios e viajávamos nos mesmos sonhos e para que buscar “chifre em cabeça de cavalo”. Mudava de assunto, não me dava tento nem de me zangar. Agiu assim até a morte. DR me fez falta? Sei lá, ela foi rechaçada de minha vida tão elegante e amorosamente que acho ter sido desnecessária. Acomodada? Não! Fui feliz sem DR.. Beijos, Marcia.

  7. Marcia, fui casada por trinta e dois anos, e, talvez pelo fato de termos sido sócios e exercido a mesma profissão. Percebo agora que nunca tivemos uma DR. E, eu pensava o contrário. Que sim discutiamos tudo.
    Mas, era mais na seara do trabalho, filhos e a implicância dele sobre eu gostar de ler e escrever.
    Quando da perca trágica e precoce de minha mãe, eu cai em depressão e trabalhamos no caso. Me lembro que durante meses ele segurou a barra.
    Me lembro dele cansado e abraçado comigo noites e noites. Me lembro eu internada às pressas, ele não arredou o pé de perto de mim, mesmo sabendo que estava perdendo a ùltima etapa para o concurso para juíz. Confesso sem pejo que vê-lo do meu lado trazia lenitivo e paz pra mim. Nunca mais ele tentou o certame novamente. Diz até hoje que faria tudo novamente. Foi talvez a nossa DR. Feita de silêncios e cumplicidade.
    Anos depois, EU notei as sutis mostras do fim. Um homem carinhoso e tristonho a querer partir, e sem coragem de ferir a companheira de vida.
    Restou a mim ter a coragem de dizer, vá! Ele fingiu capitular. Eu não aceitei e ele se foi. A casa ficou imensa. Mas era preciso. Ele tinha ânsias outras.
    Hoje, um imenso carinho e respeito pelo grande homem com sorriso de menino e coração que transborda generosidade.
    Ainda nos falamos olho no olho.
    Há meses atrás, meio que trebados, choramos juntos. Nossos cabelos em neve na noite triste. Dois amigos? Talvez mais, dois irmãos.
    Isto é DR meu Deus? Será que nos faltou? Sei não Marcia. Sei que fui feliz e demorou para que eu me acostumasse com a ausência, e o pouco falar dele.
    Rs..rs…acho que desabei aqui e mudei o curso da questão posta. Um beijo.

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